domingo, 4 de setembro de 2011

Integração na aprendizagem nos domínios cognitivo, psicomotor e afetivo na educação para a sustentabilidade: uma aplicação em uma Instituição de Ensino Superior do Mato Grosso.

Ms. Antonio Gil da Costa Júnior
Coordenador do curso de Administração da Faculdade de Sorriso
gil@fais.com.br
Ms. Janete Rosa da Fonseca
Coordenadora do curso de Pedagogia da Faculdade de Sorriso
janete@fais.com.br

RESUMO                                                                                              
Com a crescente preocupação mundial a respeito dos impactos ambientais, autores e organizações mundiais clamam por mudanças significativas no ensino superior no contexto da educação para a sustentabilidade. Como alternativa, sugere-se o modelo ATS de aprendizagem transformativa para a sustentabilidade, uma metodologia adaptada à realidade brasileira do modelo TSL – transformative sustainability learning.
A ATS é uma série de objetivos de aprendizagem correspondentes aos domínios cognitivo (mente), psicomotor (mãos) e afetivo (coração) que tem o propósito de facilitar as experiências pessoais e em grupos, resultando em profundas mudanças no conhecimento, habilidades e atividades relacionadas à justiça econômica, social e ambiental.
Este modelo foi aplicado no Curso de Administração da Faculdade de Sorriso - MT e continua em andamento.  Os primeiros resultados foram positivos, atingindo o objetivo final da aprendizagem transformativa no domínio comportamental.
Palavras-chave: Educação. Aprendizagem Transformativa. Sustentabilidade.

Introdução
Desde 2005 a Responsabilidade Social passou a ser uma das dimensões do Instrumento de Avaliação do Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior). A dimensão considera responsabilidade social em itens particulares: inclusão social, desenvolvimento econômico e social, defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural. Estes itens isolados demonstram o que o Estado espera do Ensino Superior. Mas “se por um lado é clara a natureza da responsabilidade social na governança das instituições de ensino enquanto empresas, por outro seu significado para a tríplice função universitária de ensino, pesquisa e extensão ainda é motivo de discussão (BORLAN e MOTTA, 2008)”.
A educação superior nas sociedades ocidentais fragmentou o conhecimento em disciplinas. Esse modelo de educação tem suas raízes no racionalismo, uma doutrina em que o conhecimento é derivado de uma compreensão “baseada em evidências” e de “rigor científico” do mundo (LAMBKIN, 1998). A dominância do racionalismo em detrimento das qualidades humanas como intuição, senso comum, criatividade, ética, memória cultural e espiritualidade, serviu para dividir o conhecimento em elementos cada vez menores.
Como diz Orr (1992), é hora de se perguntar o quê se precisa saber para viver humanamente, pacificamente e de forma responsável na Terra, direcionando as pesquisas neste ponto. Desta forma, pode-se mudar o rumo da educação parando-se de ensinar a “insustentabilidade” (perpetuação da crise ambiental e social) e transformando a perspectiva pedagógica para ensinar a sustentabilidade (justiça socioambiental). Para se mover do modelo de reprodução dos males sociais para o ensino da sustentabilidade, requer-se a transformação para novas formas de aproximar a educação à vida.
Esta pesquisa é baseada em duas premissas. A primeira é que os locais de estudo, trabalho e diversão dos acadêmicos são os centros de suas experiências, que ajudam a ensiná-los como o mundo funciona e quais seus papéis neste planeta (GRUENEWALD, 2003). Para uma melhor contextualização, a educação para a sustentabilidade deve ser situada tanto na Instituição de Ensino Superior quanto no ambiente da comunidade.
A segunda premissa é que as Instituições devem assumir um papel ativo, consciente de sua responsabilidade nos espaços local, regional e global (GRUENEWALD, 2003). Para alcançar esta premissa a missão e objetivos da instituição devem ser examinados e até mesmo reconstruídos.
Contexto
Os anos de 2005 a 2014 foram instituídos pela ONU como a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Ao instituir a preocupação com o desenvolvimento sustentável, a Década almeja melhorar a qualidade do ensino, facilitar a troca de experiências entre os diversos atores envolvidos e aumentar a atenção pública ao assunto. A definição de educação para o desenvolvimento sustentável ultrapassa a questão ambiental (como água, mudanças climáticas, biodiversidade etc.) e agrega estes conceitos a aspectos econômicos para o desenvolvimento (luta contra a pobreza, transformações sociais, eco-turismo etc.) e a valores sócio-culturais, tais como igualdade de gênero e promoção da diversidade cultural (UNESCO, 2005).
Espera-se que neste período seja construída uma ponte entre a academia e as necessidades da comunidade, assim como a necessidade de promover a sustentabilidade na educação superior de uma maneira que afete positivamente a sociedade e a biosfera.
Assim a aprendizagem transformativa assume o papel de conduzir as pessoas a mudar suas concepções e visões do mundo. Processos de reflexão crítica das “concepções e pontos de vista” são fundamentais para este aprendizado, que inova processos de (re)construção do conhecimento baseado em experiências de vida até chegar a novas formas de pensar e viver (MOORE, 2005). Busca-se com esta educação, fundamentada na pedagogia crítica, uma transformação na sociedade.
O modelo de Aprendizagem Transformativa para a Sustentabilidade
O modelo ATS de aprendizagem transformativa para a sustentabilidade é uma metodologia adaptada à realidade brasileira do modelo TSL – transformative sustainability learning (SIPOS et al., 2008).
Consiste de uma série de objetivos de aprendizagem correspondentes aos domínios cognitivo (mente), psicomotor (mãos) e afetivo (coração) que tem o propósito de facilitar as experiências pessoais e em grupos, resultando em profundas mudanças no conhecimento, habilidades e atividades relacionadas à justiça econômica, social e ambiental.
Assim a ATS procura contribuir para a sustentabilidade através da articulação e interação entre as atividades pedagógicas centradas no princípio mente, mãos e coração.
A evidente relação entre educação para a sustentabilidade e educação transformativa faz da ATS uma ferramenta pedagógica útil de transformação cultural, de aprendizagem e ensino, que se preocupa com “o quê é ensinado, como ocorre o ensino e como o que é ensinado é aprendido”.
O princípio mente, mãos e coração
Mente, mãos e coração representam os domínios cognitivo, psicomotor e afetivo de aprendizagem (BLOOM et al., 1964). A ATS é uma aprendizagem que facilita as experiências pessoais resultando em profundas mudanças no conhecimento, habilidades e atitudes relacionadas ao aprimoramento da justiça econômica, social e ambiental.
O resultado da aprendizagem deriva do conhecimento, habilidades e atitudes adquiridas por meio da participação em uma atividade educacional. A “Taxonomia de Bloom” (BLOOM et al., 1964) é utilizada para o desenvolvimento dos objetivos de aprendizagem da ATS. Assim, de forma simplificada, o modelo ATS integra os processos de aprendizagem nos participantes via mente (domínio cognitivo; engajamento através de estudos acadêmicos e compreensão da cidadania e sustentabilidade global), mãos (domínio psicomotor; promovendo a passagem da teoria para o desenvolvimento de habilidades práticas e atividades físicas como construir, pintar e plantar) e coração (domínio afetivo; valores e atitudes são convergidos em comportamento, como desenvolvimento de responsabilidades coletivas e individuais para com a comunidade).
O objetivo desta integração é atingir o que Hauenstein (1998) se refere como o domínio comportamental, o objetivo final da aprendizagem transformativa. Esta combinação da pedagogia da ATS com a taxonomia educacional de Hauenstein é importante por demonstrar como a sustentabilidade foi assimilada e como é praticada na vida do participante.
Vale ressaltar que a ATS é resultado da implementação de modelos pedagógicos que constam da agenda da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, como a transdisciplinaridade; interdisciplinaridade; e aprendizagem para a sustentabilidade local, através da teoria-prática, pedagogia crítica, educação ambiental, pesquisa-ação, eco-justiça, etc.
O desenvolvimento sustentável no Mato Grosso
O Estado do Mato Grosso é considerado o principal pólo de produção agrícola do Brasil, sendo o principal produtor de grãos. Apenas sua receita com a exportação de soja é responsável por 24,3% da receita nacional advinda das exportações segundo estatísticas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (FIGUEIREDO et al., 2004).
            Por se tornar o “celeiro do mundo”, o Mato Grosso, e conseqüentemente suas atividades no agronegócio, passam a ter repercussão nacional e até mesmo global. Como descreve Gomes (2007, p. 22), “o mundo está atento ao Mato Grosso. Toda vez que se pisa na bola por aqui se cria uma barreira ambiental na Europa, que é o grande mercado de nossas commodities agrícolas”.
Em decorrência desse cenário, surgem movimentos que reivindicam mudanças em relação à forma de produzir e pleiteiam a sustentabilidade, considerando aspectos, tais como aqueles relacionados à qualidade de vida, meio ambiente, diminuição dos custos dos alimentos e de energia, minimizando ao máximo os impactos no meio ambiente (OLIVETTE, 2006, p. 8).

            Discutir as questões ambientais do Mato Grosso, como em todo o Centro-Oeste e Amazônia, implica em discutir a ocupação humana e econômica ocorrida a partir de 1973. Primeiro a descoberta do centro-oeste pela construção de Brasília, a partir de 1957. Depois com a ocupação da Amazônia, a partir de 1973 na política “integrar para não entregar” do governo militar da época (RIBEIRO, 2008).
            Esta política, por intermédio do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), estimulava os ocupantes que tomassem posse das suas áreas pelo desmatamento. Os excessos cometidos nesses últimos 35 anos deixaram uma profunda marca em grande parte da sociedade. Um fator cultural que dificulta a implementação, e até mesmo, a conscientização da sustentabilidade.
A ATS na prática
A questão histórica e cultural que impede a conscientização da sustentabilidade no Mato Grosso é bem visível no município de Sorriso, localizado no médio-norte do estado. Esta situação não ocorre apenas com os colonizadores, que chegaram à região a mais de 25 anos. As gerações nascidas no município perpetuam em muitos pontos o pensamento dos pais.
Pensando nisso, o modelo da ATS foi implementado no Curso de Administração da Faculdade de Sorriso. A primeira etapa foi colocá-lo em prática no semestre em que a Gestão Ambiental está inserida. A segunda etapa será estender este modelo pedagógico a todo o Curso.
As ações aplicadas na primeira etapa seguiram o princípio mente, mãos e coração, e são discorridos a seguir.
  1. Mente: aprendizagem trabalhada por meio de leituras e discussão em pequenos e grandes grupos, realizada em sala de aula com livros, artigos e vídeos profissionais, de reportagens e filmados pelos próprios acadêmicos.
  2. Mãos: por meio de visitas orientadas a campo, os acadêmicos foram estimulados a sentir a natureza e pintar os problemas sociais. Outra ação implementada foi a construção de um projeto de diagnóstico empresarial e plano de ação para melhoria da Mini-usina de soja da Associação dos Amigos da Criança e do Adolescente de Sorriso – MT.
  3. Coração: os acadêmicos foram estimulados a filmar os problemas ambientais e sociais encontrados expondo seus sentimentos. O vídeo então era apresentado em sala, para estimular o domínio cognitivo gerando idéias de como colocar em prática alguma ação, no domínio psicomotor.
Para uma primeira etapa os resultados obtidos foram muito animadores. Tanto para os acadêmicos que aprovaram o modelo de aprendizagem quanto para os pesquisadores, já que a ATS colocada em prática atingiu o objetivo final de aprendizagem transformativa no domínio comportamental de Hauenstein (1998). Espera-se que com a aplicação do modelo na segunda etapa os resultados sejam ainda mais satisfatórios.
Considerações Finais
Este artigo teve como propósito apresentar o modelo ATS, assim como seus princípios, valores e objetivos da sustentabilidade na busca de uma transformação social. Fundamentado no princípio mente, mãos e coração, este modelo tem o propósito de facilitar as experiências pessoais e em grupo resultando em profundas mudanças no conhecimento, habilidade e atividades relacionadas à justiça econômica, social e ambiental.
Este modelo começou a ser aplicado no Curso de Administração da Faculdade de Sorriso e continua em andamento.  A primeira fase foi implementá-lo no semestre em que a disciplina Gestão Ambiental está incluída. Com os primeiros resultados otimistas, a próxima etapa será a implementação em todo o Curso de Administração desde os semestres iniciais até a conclusão. Espera-se assim, a formação de um profissional capacitado para as exigências do mercado profissional e atuante nas causas sociais e ambientais.
Referências
BLOOM, B. S.; MASIA, B. B.; KRATHWOHL, D. R. Taxonomy of Educational Objectives. Nova York: David McKay & Co., 1964.
BORLAN, V.; MOTTA, M. V. Responsabilidade Social no Ensino Superior. Responsabilidade Social, v. 3, n. 3, p. 11-20, 2008.
FIGUEIREDO, M.; BARROS, A.; GUILHOTO, J. Relação econômica dos setores agrícolas do Estado do Mato Grosso com os demais setores pertencentes tanto ao Estado quanto ao restante do Brasil, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/resr/v43n3/27746.pdf>. Acesso em: 22 maio 2008.
GOMES, E. Desmatamento recua. Revista do Mato Grosso, p. 20-33, ago 2007.
GRUENEWALD, D. Foundations of place: a multidisciplinary framework for place-conscious education. American Educational Research Journal, v. 40, n. 3, p. 619-654, 2003.
HAUENSTEIN, A. D. A conceptual framework for educational objectives: A holistic approach to traditional taxonomies. Lanham: University Press of America, 1998.
LAMBKIN, K. The hegemony or rationalism and its influence on organizations. Action Learning Action Research Journal, v. 3, n. 1, p. 3-18, 1998.
MOORE, J. Is higher education ready for transformative learning? A question explored in the study of sustainability. Journal of Transformative Educaction, v. 3, n. 1, p. 76-91, 2005.
OLIVETTE, M. A questão regional no contexto da sustentabilidade frente à competitividade: uma breve reflexão. Informações Econômicas, v. 36, n. 5, maio 2006.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: < http://www.brasilia.unesco.org/noticias/releases/2005/sustentavel>. Acesso em: 30 out 2008.
ORR, D. Ecological Literancy: Education and the Transition to a Postmodern World. Ecological Applications, v. 10, n. 5, p. 1275-1287.
RIBEIRO, O. Amazônia com métodos. Revista Mato Grosso, p. 30-32, maio 2008.
SIPOS, Y.; BATTISTI, B; GRIMM, K. Achieving transformative sustainability learning: engaging head, hands and heart. International Journal of Sustainability in higher Education, v. 9, n. 1, p. 68-86, 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário