domingo, 4 de setembro de 2011

Hibridismo cultural do povo do litoral norte gaúcho.

Janete Rosa da Fonseca¹

                               RESUMO: Pouco se ouve falar sobre a realidade do povo litorâneo.È uma realidade que é apresentada como um lugar perfeito, tranqüilo, livre de problemas. Na verdade este mundo  nos traz as representações dos sonhos das pessoas urbanas que vivem nas grandes cidades e só conseguem ver o litoral como um paraíso onde se passa  férias de verão, ou finais de semana. O  mundo litorâneo não ocupa espaço em discussões sobre cultura e a construção de identidades

Palavras-chave: Identidade-etnia- cultura- territorialização

  O objetivo de trazer para discussão, neste ensaio,  a cultura do litoral norte gaúcho é discutir questões concernentes às expressões e costumes de um povo e examinar o que se pode fazer  para aproveitar suas contribuições culturais,  para tornar esta realidade conhecida e discutir como são as relações do povo litorâneo com o turismo.Não se trata de desenvolver uma discussão sobre o povo litorâneo mas sim, sobre o que este povo produz e tem produzido e a importância desta análise para os Estudos Culturais.

            No que concerne as questões de representação, e das relações do mundo litorâneo com o mundo urbano é preciso conhecer a caminhada cultural desses povos para evitar mantê-los agrupados em determinados rótulos.Como eles se vêem e vêem o turista, enquanto ocupantes do mesmo espaço cultural. Percebe-se  a existência de uma cultura que produz corpos dóceis para servirem ao turismo, que não é a única, mas a maior fonte de renda desta região. Ao abordar esta questão percebe-se que não existe um pertencimento étnico desses povos e que se convive de forma silenciosa com a desterritorialização e com um movimento cultural que ganha proporções em detrimento de outros.
           
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¹ Licenciada em Pedagogia, Especialista em Administração de Empresas e Gerenciamento de Custos, Especialista em Orientação  Educacional e  Mestre em Educação.



Os significados atribuídos ao termo “praieiro”, “nativo”,  estabelecem a demarcação de quem são esses sujeitos. O lugar que a cultura tem nesta estrutura está sendo reinventada, pois para muitos o que existe é uma invasão das coisas ditas  cotidianas. Atribui-se  a influência do oceano nestas culturas na constituição dessas comunidades, assim como afirma Eagleton³,

... a crença na ausência de identidades estáveis se constitui na                                                    última palavra do radicalismo da teoria cultural atual. Seria preciso considerar isso relativamente aos que são socialmente descartados e ignorados. É preciso pensar que os velhos inimigos dos grupos minoritários não são mais os mesmos do passado! Não apenas os anarquistas dizem que tudo é permitido ( p.32,2005)                    


              O litoral norte gaúcho ao longo da história era visto como caminho de aventureiros em demandas de possessões espanholas, os bandeirantes que vinham aprisionar os índios, jesuítas espanhóis e portugueses e os soldados que passavam para Colônia do Sacramento. O povoamento do litoral norte gaúcho iniciou-se às margens dos rios, com ranchinhos de palha que se erguiam para a temporada de pesca.

A  economia girava em torno da pesca e do veraneio. Melhoradas as vias de acesso ao litoral, as cidades começaram a se desenvolver, mas os peixes começaram a escassear e a economia passou a girar  em torno de outra fonte de renda, a construção civil. Fato esse que atraiu pessoas vindas dos mais diversos lugares do Rio grande do Sul e Santa Catarina. Formando assim o que aqui me arrisco a chamar de hibridismo cultural .

Retomo aqui o conceito de cultura que Frow e Morris² (1997), retomando Willians, afirmam,

... todo o meio de vida de um grupo social  estruturado através da representação e do poder. Não é um domínio isolado de jogos de distinção social  e de “bom” gosto. È uma rede de representações- textos, imagens, conversas códigos de conduta e as estruturas  narrativas que os organizam- que molda cada aspecto da vida social. (p.345)
                
Convém ainda ressaltar o alerta desses autores sobre o conceito de cultura desses grupos sociais, que diz, “o conceito de cultura refere-se a formação, manutenção e definição dos grupos sociais em relação a outros grupos e ao constante processo de sua recomposição”(p.345, 1997)

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² COSTA, Marisa Vorraber. Estudos culturais-para além das fronteiras disciplinares p. 25, 2004.

São gestadas outras culturas, são criadas muitas vezes estereotipias de imagens e situações pertencentes a uma realidade muitas vezes desconhecida. Pertencentes a grupos sociais diferentes daqueles que freqüentam seu espaço, as relações de poder são muito demarcadas. Os pescadores que dependem única e exclusivamente da pesca bem como suas famílias, as mulheres dos pescadores, que fazem também da pesca um meio de contribuir com o orçamento familiar.

 Estas mulheres ainda fazem  artesanato com conchas e palhas de junco, confeccionam chapéus, leques e bolsas. Até mesmo as escamas de peixe são utilizadas para a confecção de peças artesanais. A estas pessoas  e sua realidade se costuma ter uma visão distorcida ou até mesmo pode-se atribuir a eles uma cultura de silêncio.

Mas, o que existe na verdade são apenas  distorções e ocultamentos de uma realidade da qual muitas pessoas dependem, direta e indiretamente. É o caso da pesca, aqui já citada e também das embarcações que povoam o imaginário de muitos. O que se pode dizer das pessoas que vivem do mar? A que grupos culturais pertencem? Quais identidades são produzidas?

A que etnia pertencem? Que narrativas podem  ser apresentadas? Não creio que esta temática seja inédita, mas sei que muito pouco se escreveu ou escreve sobre as populações ribeirinhas e litorâneas. Tenho percebido uma ausência de identidade cultural nos grupos das regiões já citadas.Os Estudos Culturais me abriram a possibilidade de pesquisar essas temáticas. Dessa forma, busco esclarecer que não tenho a pretensão de falar aqui da relevância do tema, mas sim, quero  propor  uma discussão sobre  a cultura, seus efeitos e o espaço que estes povos querem  ocupar na sociedade.

Ao ouvir os relatos de alguns “nativos” (como eles se autodenominam), percebe-se a preocupação destes em adaptar-se aos “outros” em detrimento a sua própria cultura.Que pelas observações realizadas até o momento parece ser desconhecida para eles.


Além de vermos as narrativas como uma maneira de (des)construir os sujeitos e de reforçar e/ou perpetuar relações de poder, Silveira, nos diz que “as narrativas também podem servir como testemunho da experiência vivida e essa narrativa da experiência como legitimadora de uma determinada identidade”.(p.206,2005)


Moreira (2005), nos fala que  se a identidade cultural de fato carregasse consigo tantos traços de unidade essencial, indivisibilidade e permanência, não haveria  a proliferação de múltiplas identidades inscritas em relações de poder e construídas pela diferença.


Pretendo construir o objeto dessa pesquisa embasada nas considerações de Stuart Hall que apresenta as perspectivas sobre a identidade cultural: 


...afasta-se da perspectiva essencialista da identidade cultural, que entende como fixada no nascimento, como parte da natureza de cada um de nós, como impressa pelo parentesco, como  parte da natureza de cada um de nós, como impressa pelo parentesco e pela linhagem dos genes, como constituinte de nosso eu interior. Nessa visão, a identidade não se deixaria afetar (ou seria pouco afetada) pelos fenômenos que hoje respondem pelo caráter cada vez mais plural de nossas sociedades- a crescente onda de migrações e de fluxos de pessoas  e grupos, o desmantelamento de antigos impe´rios, o desenvolvimento tecnológico (permitindo o contato direto entre áreas geograficamente distantes), o ressurgimento de traços de antigos nacionalismos e suas combinações com novas formas culturais, assim como os complexos efeitos do processo de globalização.( 1997, 1997b,1997c,2000,2003)


A idéia de  tentar encontrar a identidade desses povos  suscita um outro problema: analisar se existe nessas pessoas o sentimento de não pertencimento a um grupo, nas falas registradas até o momento muitos dizem pertencer a uma cidade dormitório e desconhecem totalmente a existência  de alguma etnia presente nos costumes e traços.


Isso nos apresenta  Eagleton quando diz, “quem será incluído? Se a marginalidade é um lugar tão fértil e subversivo por que se pretenderia a sua abolição? E se não existir uma clara separação entre margens e minoria?(p.36)”


E ainda Eagleton....“classes inteiras de pessoas são consideradas disfuncionais. Comunidades são arrancadas pelas raízes e forçadas a migrar. Os destituídos são obviamente marginais e os mal pagos? É o trabalho deles que faz o sistema funcionar e eles representam uma imensa massa humana. Se pensarmos as margens como minorias isso fica obscurecido (p.36)”.



Para finalizar, gostaria de referenciar que até mesmo nas instituições escolares percebe-se que estes sujeitos internalizam a prática de “comunidade silenciada”.Vale sugerir que essa busca pela identidade do povo do litoral tenta responder alguns   questionamentos e contribuir para construção de identidades de nossas crianças na escola.


Utilizou-se de um estudo de inspiração etnográfica por se o mais adequado para a condução dessa pesquisa.








REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



COSTA, Marisa Vorraber (org). Caminhos Investigativos II.Outros métodos de pensar e fazer pesquisa em Educação. DP& A Editora.Rio de Janeiro,2005.

__________ Estudos Culturais em Educação. Editora UFRGS, Porto Alegre, 2004.


EAGLETON, Terry. Depois da Teoria,um olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2005.


SILVEIRA, Rosa Maria Hessel.(org). Cultura, poder e educação; Editora da ULBRA, 2005.


WORTMANN, Maria Lúcia Castagna & Veiga- Neto. Estudos Culturais de Ciência e Educação. Editora Autêntica. Belo Horizonte, 2001.


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